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Para comemorar o dia dos namorados, adianto aqui uma musica que dedico especialmente ao meu amor e também a todos os enamorados.
Make You Feel My Love – Adele
When the rain
Is blowing in your face
And the whole world
Is on your case
I could offer you
A warm embrace
To make you feel my love
When the evening shadows
And the stars appear
And there is no one there
To dry your tears
I could hold you
For a million years
To make you feel my love
I know you
Haven’t made
Your mind up yet
But I would never
Do you wrong
I’ve known it
From the moment
That we met
No doubt in my mind
Where you belong
I’d go hungry
I’d go black and blue
I’d go crawling
Down the avenue
No, there’s nothing
That I wouldn’t do
To make you feel my love
The storms are raging
On the rolling sea
And on the highway of regret
Though winds of change
Are throwing wild and free
You ain’t seen nothing
Like me yet
I could make you happy
Make your dreams come true
Nothing that I wouldn’t do
Go to the ends
Of the Earth for you
To make you feel my love
Por Márcio Retamero* em 26/05/2011
O dia de ontem foi amargo para a população LGBT brasileira, mas não é um dia para ser esquecido, pelo contrário, é dia para se lembrar e trazer à memória fatos políticos antes acontecidos, como no tempo da campanha eleitoral.
A Frente Parlamentar Evangélica, numa manobra política suja e equivocada, foi ao balcão de negócios no Palácio do Planalto e disse: “Troco minha homofobia pela sua corrupção”. A presidente Dilma Rousseff aceitou de bom grado, afinal, a Frente Parlamentar Evangélica estava ameaçando não votar projetos do governo, trancar a pauta no Congresso, além de engrossar as fileiras da oposição que pedem as contas sobre o enriquecimento meteórico do ministro Antonio Palocci. Para blindar seu ministro, Dilma aceitou de bom grado, vender, mais uma vez, por muitas moedas de prata, as pessoas LGBT.
O deputado federal Anthony Garotinho (PR-RJ) confirmou em seguida à reunião no balcão de negócios do Palácio do Planalto que “a preocupação do governo com o risco de Palocci ser convocado a prestar esclarecimentos no Congresso foi usada pela bancada religiosa para cobrar a suspensão da distribuição do kit anti-homofobia do MEC”.
O líder da Frente Parlamentar Evangélica, o deputado federal João Campos (PSDB-CE), também confirmou a barganha da homofobia pela corrupção. Declarou: “Nós reunimos, nesta terça-feira (24), a bancada evangélica e a católica, decidimos impor uma série de condições. Se o governo insistisse em manter o kit, bloquearíamos a votação na Câmara e apoiaríamos a convocação do ministro Palocci para dar explicações.”
A presidente Dilma até foi elogiada pelo deputado representante da ditadura militar no Brasil, regime contra o qual lutou, inclusive pegando em armas! Jair Bolsonaro declarou: “sou obrigado a elogiar a presidente Dilma Rousseff”.
Alguns militantes do movimento LGBT foram ao Twitter, Facebook e nas listas de debates dos grupos de militância LGBT no Yahoo para declararem que estavam surpresos, abatidos, enojados, decepcionados! Alguns se contentaram em referendar o “jogo político”, dizendo que “as coisas são assim mesmo”. Outros pediram “muita calma nessa hora, pois tem muitos equívocos no episódio”; outros pediam que os militantes se unissem contra nosso inimigo em comum, o fundamentalismo religioso, mas “o governo é nosso amigo” (?). Mui amigo!
Quanto vale a homofobia que faz sofrer e leva ao suicídio, além do assassinato de milhares de jovens e adolescentes LGBT? Para o governo Dilma, vale o ministro Antonio Palocci! Para os deputados da Frente Parlamentar Evangélica, vale a suspensão do kit anti-homofobia em troca do apoio à corrupção, sujando ainda mais suas mãos já sujas das porcarias que sabem produzir muito bem!
Quando eu soube da notícia, fiquei com raiva, muita raiva, mas esta logo passou depois que eu me lembrei: 1) a carta compromisso que a presidente, então candidata, assinou com os evangélicos fundamentalistas, se comprometendo em vetar tudo que fosse projeto que ia de encontro “à liberdade religiosa, à liberdade de expressão e aos valores da família brasileira”; 2) da sua aparição para comemorar a vitória ao lado do senador Magno Malta, posando para as câmeras dos fotógrafos e cinegrafistas e; 3) no dia de sua posse, o cumprimento caloroso do bispo Edir Macedo e outros líderes religiosos, convidados para o ato.
Não, eu não me esqueci desses pequenos “detalhes” da campanha eleitoral e dos dias que se seguiram à vitória de Dilma Rousseff.
O dia de ontem foi amargo e abateu a todos e todas que sonham com uma escola sem homofobia, com uma sociedade curada da homofobia, com adolescentes e jovens libertos da homofobia internalizada e dos seus algozes homofóbicos. Se existe um caminho seguro para a cura da nossa sociedade da homofobia que nela reina, tal é o caminho da educação, da democratização do conhecimento, da aquisição de valores dos Direitos Humanos.
O outro caminho, o caminho da criminalização da homofobia, poderá até colocar muita gente na cadeia (eu não creio nisso!), pode gerar muitas multas, mas jamais vai tratar o mal pela raiz a fim de extirpá-lo do tecido social.
Alguns líderes do movimento LGBT nesta altura do campeonato se apegam à semântica: “suspenso não é o mesmo que cancelado”. Pois é, mas eu não acredito, e faz tempo, em coelhos de páscoa e papai Noel; até porque a Frente Parlamentar Evangélica pode ser fundamentalista, viver quase que na Idade Média, mas burra ela não é! Os que fazem parte dela sabem se organizar e jogar o sujo jogo da política, tanto que conseguiram!
No VIII Congresso LGBT do Congresso Nacional, participei da Mesa 01 de debates sobre o direito LGBT ao casamento civil. Ao meu lado, estava Preta Gil, a deputada Erika Kokai (PT/DF), dentre outros. Ouvi ali a senadora Marta Suplicy (PT/SP) dizer que se passaram 16 anos desde seu primeiro projeto de lei visando a ampliação dos direitos civis para a população LGBT e que até o presente momento, nada, nenhum projeto sequer foi aprovado pelo Congresso Nacional em prol dos direitos civis LGBT.
O motivo da inatividade do Congresso Nacional em relação á população LGBT é o mesmo desde então: a luta renhida dos fundamentalistas religiosos contra o avanço da cidadania LGBT no Brasil. A pergunta que não quer calar é: até quando, povo LGBT, continuaremos derrotados por eles? Até quando ABGLT e demais associações da militância, seremos derrotados por eles? Quando que daremos início ao nosso “Bash Back”? Quando enfrentaremos frente a frente o fundamentalismo religioso no Brasil?
As lésbicas e os gays cristãos, cansados de tanta sujeita e de ser massa de manobra, além de moeda de troca no balcão das negociatas politiqueiras, abatidos com a decisão da presidente Dilma de nos vender, mas não derrotados, se uniram no Rio de Janeiro. A Igreja da Comunidade Metropolitana do RJ e o Diversidade Católica convocam o povo cristão LGBT e todos e todas que, neste momento estão indignados, para juntos realizarmos uma passeata-protesto no calçadão da praia de Ipanema, no posto 09, no próximo domingo, dia 29 de maio, às 10h.
Combateremos o bom combate e juntos rogaremos: caia sobre a Frente Parlamentar Evangélica, sobre o Palácio do Planalto, sobre os corruptos, sobre o fundamentalismo e fundamentalistas religiosos, o sangue das vítimas de homofobia no Brasil!
“Porque o grito existe; então eu grito!” (Clarice Lispector). Gritemos!
* Márcio Retamero, 37 anos, é teólogo e historiador, mestre em História Moderna pela UFF/Niterói. É pastor da Comunidade Betel/ICM RJ e da Igreja Presbiteriana da Praia de Botafogo. É autor de “O Banquete dos Excluídos” e “Pode a Bíblia Incluir?”, ambos publicados pela Editora Metanoia. E-mail: marcio.retamero@gmail.com.
Fonte: A Capa
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Nota deste blogueiro:
Estava escrevendo um post sobre isso e outro sobre política LGBT quando encontrei esta carta do Marcio. Resolvi então publica-la aqui no blog, destacando partes fundamentais e acrescentando alguns comentários:
1 – tenho sido constantemente agredido por miliTONTOS apenas por eu não ser da esquerda, apenas por cobrar do governo explicações sérias (e não as manobras e falácias) sobre o caso Palocci, passaportes, Mensalão, etc. Não faço parte de nenhuma ONG ou entidade beneficiada por recursos públicos e, como cidadão QUE NÃO DEVE NADA A NINGUÉM E TAMPOUCO TEM O RABO PRESO, estou no meu direito de cobrar tais explicações e punição dos envolvidos.
2 – Não defendo nem nunca defendi projetos de governo que aparecem e desaparecem ao gosto de quem entra ou sai. Defendo sim, Políticas Públicas.
3 – NUNCA acreditei na seriedade do PT nem da extrema esquerda (assim como abomino a extrema direita). Um grupo que para um país através de greves impondo as suas vontades e não aceitando o diálogo não merece qualquer respeito. Pior é saber que estes que agitavam tudo, na hora do pau com a polícia ou estavam sentados em cima dos muros assistindo os trabalhadores (massa de manobra) levando porrada, ou estavam dentro de carros recebendo gordas quantias para acabar com a greve. Mas esse FATO claro, é mera “intriga da oposição”.
4 – Já passei por situações deploráveis promovidas por este grupo quando usaram a MINHA SEXUALIDADE COMO ARMA PARA ME ATACAR, ME HUMILHAR E DENEGRIR PUBLICAMENTE durante a campanha da reeleição do Lula. Não conseguiam me derrubar em argumentos pegaram meu ponto fraco pois, infelizmente, sabiam que profissionalmente isso iria me prejudicar já que moro numa cidade “grande, mas pequena”. Além de familiares, tive amigos, alunos e clientes que foram “informados” deste fato através de um perfil fake, sujo, promíscuo que montaram usando minhas fotos pessoais. Fizeram isso para me calar. Isso aconteceu no orkut e tenho aqui as provas e também testemunhas, caso alguém duvide.
5 – Talvez por conhecer algumas lideranças dos LGBTS e saber quais as suas intenções reais, não me vejo representado por tais. O único que reconheço hoje é o Jean Wyllys, apesar de vê-lo nestes dias tentando “botar panos quentes” sobre essa manobra suja que o PT fez. Se insistir nessa linha, já era. Vai perder a credibilidade e respeito de muitos e, podem acreditar que a comunidade LGBT fora dos partidos é bem maior que a de militantes.
6 – O PT NUNCA viu na comunidade LGBTS um grupo que merecesse real atenção além daquela para mantê-los ali amarrados e cegos, como massa de manobra. Lembro-me da vitória do Lula, a festança promovida pelas associações e grupos gays festejando o “agora vai”. Pois é, 8 anos se passaram e Lula não fez absolutamente nada além de repetir suas promessas demagógicas para manter a comunidade ali, no curral quietinha. Entra Dilma, que como descrito no texto acima SÓ NÃO VIU OS SINAIS QUEM NÃO QUIS, e logo de cara já senta uma patada dessas na cara dos LGBTS. O desespero dela em provar que era religiosa e, quando levantou-se a suspeita dela ser lésbica, aparecer uma filha prestes à dar à luz mostrando ao mundo que ela era mãe e agora avó.
Não sei dizer com relação à Marta. Pra mim é mais um cachorro latindo só para fazer barulho que qualquer outra coisa. Amigos (sérios e dignos) meus de SP dizem que Serra fez muito mais pelos gays que a tropa de choque do PT. Outro fato que pode comprovar esses latidos é o palanque gratuito que é dado a ela nas paradas e a agressividade dos militantes ao governo e prefeitura de SP quando estas não são do PT.
7 – Muitos amigos meus (heteros e religiosos) dizem que não suportam a militancia gay pois tudo o que aparece sobre ela é apelativo, forçado, etc. Não tiro a razão deles na totalidade. A Parada virou um grande circo dos horrores. Não vemos a comunidade se mexendo para coibir as personagens grotescas e caricatas que povoam a TV e reforçam estereótipos ridículos na mente da população. Percebe-se a militância cega defendendo raivosamente o PT e seus aliados e atacando com mentiras descaradas a oposição entre várias outras coisas que podem ser citadas aqui. Muitos dizem que, se não fosse essa ligação cega com o PT, não teriam absolutamente nada contra os gays. Fato este que pode ser comprovado pelas pesquisas feitas tempos atras dentro das igrejas onde a comunidade religiosa, para espanto da igreja, disse que não se importa com a sexualidade de outras pessoas, que os padres e pastores deveriam deixar os Gays em paz.
Então, é isso.
Ou a comunidade LGBTS sai das garras desse grupo cego ou não iremos avançar em nada.
Ah que falta me faz uma igreja como essa aqui em Londrina…
Parabéns Betel, pelo verdadeiro Corpo de Cristo que testemunham ser diariamente!
Por Thiago Fiago
O dia 05 de maio de 2011, foi um dia histórico para o Movimento LGBT, para a história dos Direitos Humanos no Brasil: Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, reconheceu a existência da união estável homoafetiva (ou união homoafetiva estável, se assim queiram).
Não demorou muito após a proclamação do resultado do julgamento do STF aprovando, por unanimidade, a união estável homoafetiva e Reinaldo Azevedo, o palpiteiro-geral da nação, já fez seus malabarismos no texto “O politicamente correto é o AI-5 da democracia“.
Especificamente no campo jurídico, Reinaldo já tratou da anistia de Cesare Batistti, da Lei da Ficha Limpa, etc. Fez considerações razoáveis em muitos casos (Palpite certo? Consultava especialistas antes de postar? Aposto que sim!). Contudo, no texto acima citado, temos obrigação de descê-lo do pedestal e lhe tirar a pose de jurista.
Antes, uma explicação: doxósofo significa o “técnico-da-opinião-que-se-crê—cientista”, nestes precisos termos.
O primeiro fato que chama atenção é no título a presença do “politicamente correto.” Basta citar esta expressão e, como num passe de mágica, o discurso conservador tenta desqualificar qualquer argumento bastando citá-la. É como se o politicamente correto fosse um ser com “vontade própria, um movimento, um sujeito dotado de consciência. No mundo realmente existente, ele é apenas isto: um sintagma sem referente, um balão de ensaio, uma cortina de fumaça, uma tutameia.” – um importante alerta.
“Se o texto constitucional não vale por aquilo que lá vai explicitado, então tudo é permitido.”
Então não valeria o que está implícito. Ora, é básico: a Constituição (como qualquer lei) sempre tem uma faceta explícita e uma implícita e é tarefa da hermenêutica (interpretação) mostrar o sentido de ambas. A última palavra sobre o que é ou não constitucional é do STF.
A propósito, o argumento de Reinaldo Azevedo é incoerente com as críticas dele sobre o PLC 122, quando destaca a vagueza dos crimes e a insegurança que daí decorre mas inexiste na Constituição uma única referência ao princípio implícito (como tantos outros) que exige ser o crime muito bem definido (chamado de princípio da taxatividade). Os juristas são unânimes em afirmar a existência do mesmo. Reinaldo saberia disso se fosse… jurista. [1]
“O fato é que o Supremo não pode recorrer a subterfúgios e linguagem oblíqua para tomar uma decisão contra o que vai explicitado num Artigo 226 da Constituição. O fato é que o Supremo não pode tomar para si uma função que é do legislador.”
Como foi dito, há lacuna, um “silêncio eloqüente”, pois, não proibindo expressamente (e restrição a direitos fundamentais devem ser expressas), o texto constitucional automaticamente permite. Qualquer bacharelando de Direito do 1º ano sabe disto.
“Toda vez que o Supremo acreditar que o Parlamento falhou ou que está pautado por inarredável conservadorismo vai lá e resolve o problema? (…) Por aqui, os membros da nossa corte suprema consideraram que o legislador estava demorando em cumprir a sua ‘função’.”
A “falha” do Congresso Nacional no tocante aos pedidos das ações não nasceu de uma opinião do STF e que, por iniciativa própria, agiu, mas do dado objetivo de que a omissão do legislador em cuidar de matéria (pressionada pelo poder financeiro, por forças religiosas) nos últimos 16 anos em não votar o Projeto de Lei de Parceira Civil da sen. Marta Suplicy (apresentado em 1995), sem falar em outros tantos projetos semelhantes. Aliás, desde a promulgação de nossa Constituição, há 23 anos, o Congresso não legisla absolutamente nada que garanta direitos à classe LGBT.
Afirmar que se deveria esperar o Congresso Nacional legislar, diante do fato que eu trouxe, ou é argumento mal intencionado ou é ignorância ingênua: direitos fundamentais não podem ser cativos de nenhuma delas.
Numa democracia, “conservadorismo” do Parlamento (e mesmo de 99% da sociedade) não pode ser justificativa de tal omissão, sobretudo se traz grave e imoral violação aos direitos fundamentais. Ao Judiciário cabe o papel de acudir aos que dele se socorrem em caso de lesão ou ameaça de lesão a direito seu (inc. XXXV, art. 5º, CF/88).
“Desconheço país (…) que tenha aprovado o casamento gay ou ‘união homoafetiva’ (…) por decisão dos togados.”
As ditaduras gayzistas (sic) do Canadá e África do Sul (decisão da Corte Constitucional e a lei posterior) são bons exemplos? De qualquer modo, que não desqualifica a decisão do STF e, mais uma vez, só mostra o quão covarde foi o Congresso Nacional.
“(…) igualar o casamento gay (…) [vai] contra o que vai explicitado na Carta agride a constitucionalidade.”
Se interpretada a Constituição da maneira mais rasa: a literal. Além da analogia, há valiosos argumentos jurídicos do constitucionalismo contemporâneo – além dos apresentados pelas sustentações favoráveis dos “amici curiae” e pelos votos dos ministros –, como demonstra este artigo, os quais Reinaldo Azevedo não conhece (o mais provável) ou faz questão de não falar.
“Vivemos tempos em que a interpretação capciosa (…) da Constituição se sobrepõe ao sentido objetivo das palavras.”
Interpretação rasa é a que se apega tão-só ao “sentido objetivo das palavras”, ao explícito e ignora todo o conjunto e espírito da CF. O vanguardismo jurídico-interpretativo de Reinaldo Azevedo com “o juiz como boca da lei” tem atraso de 03 séculos, da época de Montesquieu.
“a Carta tem como cláusula pétrea o princípio de que todos os homens são iguais perante a lei. Mas não é ela mesma a admitir desigualdades em situações específicas?”
E daí? A Constituição pode excepcionar a si mesma. Levar princípio da igualdade a ferro e fogo é impossível, daí a máxima de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.
É muito conveniente destacar um trecho do voto do ministro Lewandowski e da ministra Carmen Lúcia e ignorar não só outros argumentos mais fortes, mas, também, praticamente todos os outros. A isso dá-se o nome de falácia do espantalho.
Os demais argumentos quanto a Stedile e “função social” da propriedade, censura e privacidade são apenas sensacionalistas e pecam pela falácia de bola de neve. Enfim, típicos do discurso reacionário que alerta para um frenético e apocalíptico loop, uma “retórica da espiral do desastre” que leva à destruição da família, da própria sociedade (algo que a igreja alegou em 1977, com a Lei do divórcio e, bem se passaram 34 anos).
“Quantos são os nossos jornalistas que leram efetivamente a Constituição?”
Não sei dizer, mas sei de um que lê a Constituição, não sabe nada de interpretação jurídica e faz pose de jurista…
“Segundo entendi, a família “patriarcal”, “de base patrimonial”, para “fins de procriação”, é a heterossexual.”
Ou “heteroafetiva”, como também foi dito nos votos, imposta como modelo único, exclusivo – daí a tal heteronormatividade e conseqüente marginalização de qualquer outra relação –, servindo aos interesses da Igreja (como ainda hoje ela tanta fala de família em função de sua capacidade reprodutora; inférteis e casais que não desejam filhos podem esquecer que são famílias!), posteriormente da “burguesia”. É dado histórico: filhos bastardos eram juridicamente ilegítimos como herdeiros, para não “dissolver” o patrimônio, pro exemplo (ahhh se ele tivesse o mínimo de leitura sobre história do Direito Civil…)
O min. Lewandowski e nenhum outro ali sequer insinuou que famílias de casais heteroafetivas tem mais ou menos afeto que os casais homoafetivas, mas sim ressaltar que há afeto em tais; a visão comum que se tem é que LGBTs só querem sexo, tem toda sua vida (caráter, valores, desejos) julgada a partir da premissa primeira de sua “pervertida sexualidade”.
O afeto per se não é a condição que legitima reconhecimento de tais uniões, mas também o desejo de ambos viverem uma vida a dois numa relação conjugal, com todos os direitos e deveres de qualquer casal.
Já disse e repito: em se tratando de direitos fundamentais, o que não está expressamente proibido está permitido.
Reinaldo transcreve um trecho do min. Lewandowski interpretando de forma literal a Constituição e elogia o trecho como de uma “impressionante pureza”. Curioso notar que nem Hans Kelsen e sua teoria pura do direito dão base a essa suposta pureza interpretativa.
“No mundo inteiro, lacunas legais são preenchidas por aqueles que têm a função de preencher lacunas legais: os legisladores. Às cortes, cabe a aplicação da lei.”
Em nenhum outro trecho o rótulo de doxósofo cabe tão bem. Apesar de toda a pompa da pose de jurista, perito no constitucionalismo, do destaque em negrito, Reinaldo Azevedo ignora solenemente uma das leis mais básicas de nosso país: a Lei de Introdução ao Direito Brasileiro em seu art. 4º:
“Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” (grifou-se)
Vai ver por isso deletou meu comentário feito logo cedo ao texto:
Quanto ao resto, bem, é resto. São frases de efeito, uma “retórica da espiral do desastre”, que têm tanta consistência jurídica e argumentativa quanto toda a postagem: absolutamente nenhuma.
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[1] Dentre os comentários a esse post sobre o PLC 122 está o meu, com direito a resposta do próprio Reinaldo, onde demonstrei o equívoco dele em criticar o projeto quando há mais de 01 ano já havia um Projeto Substitutivo – comparem-se as datas do post e do substitutivo. Que jurista responsável faz críticas de tamanho anacronismo por absoluta ausência de cuidado em manter-se atualizado das corriqueiras alterações durante a tramitação de um projeto de lei? Posteriormente, o alertei de novo sobre esse equívoco, mas ele insiste até hoje em permanecer no erro.
Por: Thiago Fiago
Bastou acabar o julgamento do STF possibilitando a união estável homoafetiva e a bancada evangélica e alguns juristas (ou metido a juristas, o que nesse grupo é bem comum, a exemplo do doxósofo Reinaldo Azevedo, do pastor Malafaia, dos deputados Anthony Garotinho e Marco Feliciano) começaram as articulações para reagir a essa decisão. O mimimi todo da bancada evangélica, como se verá, é pura birra e não vai passar disso.
Destaco nessa batalha a atuação do deputado João Campos, presidente da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional, que é formado em Direito, especialista em Direito Constitucional [1], mas o compromisso dele com o fundamentalismo religioso é maior que o compromisso com a Constituição (ou, ao menos, com a leitura do que ela literalmente diz, para ficar no mínimo).
De forma bem completa, a matéria da Terra Magazine explica essa manobra. Passo a comentar os pontos.
Primeiro, o dep. Garotinho falou em plebiscito. Ora, a decisão do STF já havia sido tomada, então caberia um referendo e não um plebiscito (que é uma consulta antes de se tomar uma medida, ação governamental). De qualquer forma, nem plebiscito nem referendo (art. 14, incisos I e II, da Constituição brasileira) são possíveis no caso, pois os mesmos se referem tão-só aos atos do Poder Executivo ou do Legislativo, nunca aos do Judiciário, como bem explica este artigo.
Depois, o deputado João Campos falou que iria propor um decreto legislativo para sustar (i. e., suspender os efeitos) a decisão do STF, já que este teria, supostamente, usurpado a competência (o poder de legislar) do Legislativo. É uma piada pronta: o Legislativo, por covardia e pressão de conservadores, religiosos, se omitiu de votar algum projeto dessa temática ao longo dos últimos 16 anos [2] e quando o STF, tal qual fizeram as cortes constitucionais do Canadá e África do Sul (aqui a decisão e aqui a lei promulgada pelo Legislativo), pôs fim a tão grave situação, o Legislativo (mais precisamente, a bancada evangélica do Congresso) faz esse muxoxo por ter sido “usurpado” em suas funções.
O poder de sustar ou zelar pela competência legislativa cabe ao Legislativo em relação a atos do Executivo (poder regulamentar, leis delegadas, atos normativos) ou aos atos normativos do Judiciário, mas não existe nenhuma possibilidade de sustar/anular decisão judicial por esse mecanismo, sobretudo essa decisão do STF, por se tratar de um julgamento de constitucionalidade, que é a principal tarefa de um tribunal constitucional. Para maiores explicações, ver este debate no Orkut (disponível mesmo para quem não possui um).
Resumo da ópera: a decisão do STF, por ter sido tomada em sede de julgamento de constitucionalidade, é ABSOLUTA porque amparada na Constituição e não há nada que se possa fazer para anulá-la ou modificá-la. O que resta é cumpri-la. Essas manobras contra a decisão não passam de um “duplo twist carpado hermenêutico”, ou seja, uma interpretação absurda, ridícula das leis, da Constituição que ignora não só o texto escrito, mas também o que está implícito.
Para não passar tamanha vergonha e ludibriar seus eleitores e fiéis, bastaria que nossos parlamentares da Frente parlamentar evangélica (sobretudo, os deputados pastores e os de formação jurídica, como o deputado João Campos) se dessem ao dever cívico e moral de ler a nossa Constituição, mas preferem fazer todo esse circo em cima de uma proposta absolutamente inconstitucional.
PS: Pelo visto, o deputado João Campos precisa urgentemente voltar aos bancos da faculdade de Direito, pois ignora conceitos básicos (a “analogia”, com relação à união estável homoafetiva e PLC 122/2006) e o texto escrito da própria Constituição.
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[1] na discussão do PLC 122, o deputado tweetou “@sebastiaocarsmo Será que temos que criminalizar a evangelicofobia?”, onde demonstra seu notável saber jurídico incapaz de enxergar o termo “religião” no art. 1º da Lei Anti-racismo.
[2] Nesse período todo, os direitos fundamentais (a base de qualquer democracia) de LGBTs foram desrespeitados, obrigando essa parcela da população a viver na insegurança jurídica. E ainda há os argumentos cínicos de que se o Legislativo não tratou do tema é porque simplesmente não quis. Então, se está permitido agora negar direitos fundamentais porque o Legislativo não quer legislar sobre o assunto? Por esse raciocínio equivocado, sim. Imagine-se se a Suprema Corte dos Estados Unidos tivesse dito que o direito à educação da menina negra Ruby Bridges não autorizava a mesma a freqüentar uma escola pública para alnos brancos porque se o Legislativo quisesse assegurar tal direito já teria feito? Ou que essa pretensão do pai da menina Bridges era “enfiar goela abaixo” da sociedade americana um valor (a igualdade entre negros e brancos) iria contra a tradição da supremacia branca nos EUA desde a fundação deste país? A Klu Klux Kan até hoje vomita essas asneiras.
Por: Thiago Fiago
Quando o assunto é o PLC 122/2006, Reinaldo Azevedo, Olavo de Carvalho, Júlio Severo, Magno Malta, Marcelo Crivella, e, sobretudo, o pr. Malafaia (e os pupilos e fiéis deles, perfeitos papagaios de pirata) adoram dar seus pitacos a respeito, mas não passam de palpiteiros e apenas isso (ou, no caso de Reinaldo Azevedo, um doxósofo, ou seja, “técnico-da-opinião-que-se-crê-cientista”).
Já cumpri essa missão desmascarando Reinaldo Azevedo, Júlio Severo, Olavo de Carvalho (nos comentários) também, agora parto para provavelmente o maior paladino anti-PLC122, o pastor Malafaia.
Dia 19 pela manhã no Twitter, além dos ridículos ataques me acusando de desconhecer a Constituição, fui desafiado por @J_Valadao a mostrar onde estavam os erros de Malafaia no vídeo de um debate de Malafaia com a deputada Iara Bernardi (parte 01 e parte 02).
Lamento que a dep. tenha se preparado tão mal, sem falar na falta desse dom da oratória para não ser ofuscada por Malafaia. Mais à frente explicarei o porquê. O pastor Malafaia, com toda sua oratória, saiu vencedor. Tanto é assim que foi marcado outro debate, onde, mais uma vez, o PLC 122 teve uma representante despreparada. Contudo, um olhar mais treinado, viu-se que a vitória foi pura retórica, não de argumentos e a seguir mostro as falácias e inverdades.
“A lei criminaliza a opinião”
Nenhuma novidade, já que calúnia, injúria e difamação (e os da Lei Anti-racismo) são crimes de opinião.
“Homofobia é uma pessoa doente na Psiquiatria que quer matar um homossexual”
Provavelmente, se baseou na “Psiquiatria” (mas ele é psicólogo) para dar um verniz mais científico a essa definição, mas homofobia não é isto. Homofobia é preconceito, antipatia, medo ou aversão irracional a LGBTs (não dá pra ser mais simples do que diz a Wikipedia – vejam-se as fontes da definição) e se manifesta por palavras, atos (agressões físicas) e até homicídios bárbaros. Em outras palavras, homofobia está para LGBTs como racismo para negros, machismo para mulheres, anti-semitismo para judeus.
“Lei do privilégio, não de homofobia.”
Não entendo essa crítica. O PLC 122 quando se refere a “orientação sexual”, inclui heterossexuais também. Ou será que o pastor acha apenas que é privilégio o tratamento dado aos grupos hoje previstos na lei anti-racismo, dentre eles os religiosos?
“Alguém na afetividade homossexual for impedido é 02 a 05 anos de cadeia (…) No pátio de uma igreja tem um casal heterossexual e um homossexual (…) e um casal tiver se agarrando e o pastor impedir é 02 a 05 anos de cadeia”
O PLC trata de garantir a LGBTs o direito de manifestar seus sentimentos (um selinho, um abraço, andar de mãos dadas, por ex.), da mesma maneira que hoje casais heteroafetivos o fazem. Nem mais nem menos. Se houver exagero, a punição deverá existir como também seria para um casal heteroafetivo que passe dos limites.
Bem, agora explico o porquê do despreparo de quem fez a defesa do PLC 122 e, ainda, como é incompetente o pastor Malafaia por posar de jurista e ignorar as atualizações desse projeto que, para ele, é tão perigoso. Os vídeos foram postados no dia 24/02/2010. Desde 17/11/2009, a sen. Fátima Cleide havia apresentado um Projeto Substitutivo, que alterou radicalmente a redação.
De minha parte, eu também via como inconstitucional o PLC 122 na redação original (em resumo: muita sede ao pote), mas o referido Projeto Substitutivo sanou esse erro e é plenamente constitucional (como concordam vários juristas de renome nacional e dois ministros do STF).
Assim, descabidas essas críticas, pois a previsão de pena de 02 a 05 anos não existe mais. Aos 4’03” ele cita o artigo que era, de fato, o mais absurdo (art. 20, § 5º), mas que não existe no Substitutivo. As críticas recaem num anacronismo ridículo.
Quanto à manobra na aprovação, foi um erro infeliz e não ofusca os méritos da proposta nem o debate democrático ao longo de toda a tramitação.
“Comparar homossexualismo (sic) com racismo é outra definição. Ninguém nasce homossexual. Homossexualismo é comportamental (…) Negro não pediu pra nascer negro, é negro, criança não pede pra ser criança, é criança, idoso não pede pra ser idoso, é idoso. Querer colocar, querer botar comportamento naquilo que uma pessoa nasce sem opção é uma vergonha. (…) Querer comparar comportamento com raça é o grande jogo deles. Por que se eles fazem uma lei só deles, já tava no lixo há muito tempo, mas eles querem misturar.”
Vergonha, pastor, muita vergonha alheia é o que eu sinto quando um jurista – aliás, um poser de jurista – ignora um conceito tão básico como o de “analogia”. Explico: analogia, segundo o dicionário Michaelis (1998), como “semelhança de propriedades”, “semelhança em algumas particularidades”. São semelhanças existentes entre coisas, seres de naturezas distintas (maiores detalhes aqui).
Já que o pastor não aceita a homossexualidade como fenômeno normal da sexualidade, eu quero lembrar que “religião”, hoje protegida na Lei Anti-racismo, também não é condição inata, foi incluída na lei porque religiosos foram, ao longo da história, um grupo discriminado e sistematicamente perseguido, tal qual negros, judeus. E é exatamente por ser um grupo social histórica e sistematicamente discriminado que LGBTs, assim como religiosos, devem ser incluídos na Lei Anti-racismo.
Esse argumento é uma sinuca de bico: se se fala em “escolha/opção sexual”, em “comportamento” de LGBTs e daí se conclui ser ilegítima inclusão desse grupo na Lei Anti-racismo, automaticamente se reconhece que “religião” e “procedência nacional” também não deveriam estar na lei porque são prática/conduta e escolha (ainda que dos pais), respectivamente; contudo, se se alega que “religião” e “procedência nacional” devem sim ficar na lei porque indicam grupos histórica e sistematicamente discriminados, forçosamente se reconhecerá o argumento justificando inclusão dos LGBT’s. Não há meio-termo.
Não é apenas o Movimento LGBT brasileiro que faz essa comparação, o Parlamento Europeu considera homofobia equiparável a racismo, xenofobia, anti-semitismo, sexismo; a ONU igualmente.
“Eu provo na Ciência, não existe ordem cromossômica homossexual, ordem cromossômica é macho e fêmea. ”
Para Malafaia homossexualidade é prática, conduta. Religião também, já que não se tem notícia de que se nasça hinduísta, evangélico… Ou há uma ordem cromossômica para religiosos? Para negros (cuja diferença é apenas mais melanina na pele)? As comparações de Malafaia só são feitas quando convém, por mais falaciosas que sejam.
“Eu vou provar pra deputada que a lei criminaliza e ela é contra a Constituição, o art. 5º, inc. IV. (…) Os grupos de homossexuais me denunciaram no MJ tentando tirar meu programa do ar porque eu preguei com a Bíblia a questão da homossexualidade. Eles tentarão me incriminar no CFP, eu como pastor antes da lei ser aprovada.”
Difícil opinar se não se sabe o conteúdo das declarações – e a julgar quem as faz é de se ter receio –, mas pra que o uso do “incriminar”? No máximo poderia ter o registro profissional cassado caso dissesse que homosexualidade é doença ou adotasse, na sua atividade de psicólogo, um “tratamento para cura” (conforme art. 3º da Resolução 01/1999 do Conselho Federal de Psicologia).
“Os grupos homossexuais não suportam o debate crítico. E a democracia (…) a marca da democracia é a livre expressão de opinião.”
Uma estúpida generalização fácil de desmentir: foram realizadas diversas audiências públicas na Câmara e no Senado.
“Tomara que essa lei seja aprovada porque ela não tem em lugar nenhum do mundo…”
Existem leis que punem a homofobia no Canadá, África do Sul, México, EUA, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Argentina, Bolívia, Colômbia (aqui, está na própria Constituição!), Equador, Guiana Francesa, Peru, Uruguai, Venezuela, Isael, Nepal, dentre outros. O Brasil faz parte do grupo de países que não tem uma lei desse tipo e cujos índices de desenvolvimento, respeito aos Direitos Humanos são baixíssimos.
Pra finalizar, diz que o “verdadeiro descriminado do Brasil é o pobre, os jovens assassinados é número ínfimo e LGBTS não são grupo de risco”.
Ignorar episódios homofóbicos como o da av. Paulista, o assassinato de inocentes como o menino Alexandre Ivo, de apenas 14 anos, não faz menos verdadeira e cruel a realidade cotidiana da homofobia vivida pelos LGBTs do Brasil, aliás crimes de ódio homofóbico crescem no mundo inteiro, segundo alerta da ONU no último dia 17, dia mundial do combate à homofobia.
Pastor Malafaia, estou à disposição para um debate na TV, na rádio, em um jornal, nas redes sociais da internet, onde for. Desmascarei aqui suas falácias e faria de novo em qualquer outra oportunidade.
Só restou, de todo o debate, apenas a retórica de Malafaia. Ainda hoje ele fala em “mordaça gay”. Os seguidores o aplaudem e parabenizam pela aguerrida luta anti-PLC 122… Já eu, que não me deixo impressionar por esses posers de plantão penso:
Como! Um grande homem? Não vejo nada além de um comediante do próprio ideal. (Nietzsche)
Carta aberta de Católicas pelo Direito de Decidir à Presidenta Dilma Rousseff sobre a polêmica criada em torno do kit anti-homofobia
Presidenta Dilma,
Estamos estarrecidas! A polêmica criada em torno do kit anti-homofobia e o recuo do governo federal ante as pressões vindas de alguns dos setores mais conservadores e preconceituosos da sociedade nos deixou perplexas. E temerosas do que se anuncia para uma sociedade que convive com os maiores índices de violência e crimes de morte cometidos contra pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersex (LGBTTI) do mundo. Temos medo de um retorno às trevas, senhora Presidenta, e não sem motivos.
A vitoriosa pressão contra o kit anti-homofobia da bancada religiosa, majoritariamente composta por conservadores evangélicos e católicos, em um momento em que denúncias de corrupção atingem o governo, traz de volta ao cenário político a velha prática de se fazer uso de direitos civis como moeda de troca. Trocam-se, mais uma vez, votos preciosos e silêncio conivente pelo apoio ao preconceito homofóbico que retira de quase vinte milhões de brasileiros e brasileiras o direito a uma vida sem violência e sem ódio. A dignidade e a vida de pessoas LGBTTI estão valendo muito pouco nesse mercado escuso da política do toma-lá-dá-cá, senhora Presidenta! E o compromisso com a verdade parece que nada vale também.
Presidenta, convenhamos, a senhora sabe que o kit anti-homofobia é um material educativo, que não tem por finalidade induzir jovens a se tornarem homossexuais, até mesmo porque isso é impossível, como tod@s sabemos. Não se induz ninguém a sentir amor ou desejo por outrem. Mas respeito, sim. E ódio também, senhora Presidenta… ódio é possível ensinar! Poderíamos olhar para trás e ver o ódio que a propaganda nazista induziu contra judeus, ciganos, homossexuais. Porém, infelizmente, não precisamos ir tão atrás no tempo. Temos terríveis exemplos recentes de agressões covardes e aviltantes a pessoas LGBTTI e o enorme índice de violência contra as mulheres acontecendo aqui mesmo, em nosso próprio país.
Quando a senhora afirma, legitimando os conservadores homofóbicos, que é contra a propaganda da “opção” sexual, faz parecer que alguém pode, de fato, “optar” por sentir esse ou aquele desejo. Amor, desejo, afeto não são opcionais, ninguém escolhe por quem se apaixona, senhora Presidenta! Mas se escolhe ferir, matar, humilhar.
Quando a senhora diz que todo material do governo que se refira a “costumes” deve passar por uma consulta a “setores interessados” da sociedade antes de serem publicados ou divulgados, como estampam hoje os jornais, ficamos ainda mais perplexas. De que “costumes” estamos falando, senhora Presidenta? E de que “setores interessados”? Não se trata de “costumes”, mas de direitos de cidadania que estão sendo violados recorrentemente em nosso país e em nome de uma moral religiosa conservadora, patriarcal, misógina, racista e homofóbica. Trata-se de direitos humanos que são negados a milhões de pessoas em nosso país!
E “setores interessados”, nesse caso, deveria significar a população LGBTTI e todas as forças democráticas do nosso país que não querem ter um governo preso a alianças políticas duvidosas, ainda mais com setores “interessados” em retrocessos políticos quanto aos direitos humanos da população brasileira.
O país que a senhora governa ratificou resoluções da ONU tomadas em grandes conferências internacionais, em Cairo (1994) e em Beijing (1995), comprometendo-se a trabalhar para que os direitos sexuais e os direitos reprodutivos sejam reconhecidos como direitos humanos. No entanto, até hoje pessoas LGBTTI morrem por não terem seus direitos garantidos. Mulheres morrem pela criminalização do aborto e pela violência de gênero.
Comemoramos quando uma mulher foi eleita ao cargo máximo de nosso país. Ainda mais porque, como boa parcela da sociedade, levantamos nossa voz contra o aviltamento do Estado laico, ao termos um uso perverso da religião nas campanhas eleitorais de 2010 para desqualificar uma mulher competente e com compromisso com a dignidade humana. Antes ainda, levantamos nossa voz a favor do III PNDH, seguras de que deveria ser um instrumento de aprofundamento do respeito aos direitos humanos em nosso país. Agora não temos o que comemorar, senhora Presidenta! Parece que o medo está, de novo, vencendo a verdade. E a dignidade.
Infelizmente, temos de – mais uma vez! – vir a público exigir que os princípios do Estado laico sejam cumpridos. Como a senhora bem sabe, a laicidade é essencial à democracia e não se dá pela simples imposição da vontade da maioria, pois isso resulta em desrespeito aos direitos humanos das minorias, sejam elas religiosas, étnico-raciais, de gênero ou orientação sexual. Não existe democracia se não forem respeitados os direitos humanos de todas as pessoas. Impor a crença religiosa de uma parcela da população ao conjunto da sociedade coloca em risco a própria democracia, já que os direitos humanos de diversos segmentos sociais estão sendo violados. Portanto, senhora Presidenta, não seja conivente! Não permita que alguns setores da sociedade façam do Estado laico um conceito vazio, um ideal abstrato.
Como Católicas pelo Direito de Decidir, repudiamos o uso das religiões neste contexto de manipulação política e afirmamos nosso compromisso com a laicidade do Estado, com a dignidade humana e nosso apoio ao uso do kit educativo pelo fim da homofobia nas escolas brasileiras.